As escolas de samba, redutos pretos, locais de resistência e saber epistemológico, são referências em contar história, mas principalmente em contar sua própria história, pelo carnaval ser uma festa popular, que canta e exclama os sentimentos da população.
No dia 13 de Maio de 1.888 se comemorou a assinatura da Lei Nº 3.353, popularmente conhecida como Lei Áurea, que declara extinta a escravidão no Brasil. De 1.888 pra cá, as escolas de samba tiveram muito o que falar e questionar sobre a realidade brasileira desde a assinatura dessa lei.
Recentemente, no dia 4 de Maio de 2023, entrou em vigor a Lei 14.567/2023. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio da Silva e pelos ministros Margareth Menezes da Purificação Costa – Cultura (MINC) e Flávio Dino de Castro e Costa – Justiça e Segurança Pública (MJSP), a lei reconhece as escolas de samba como manifestação da cultura nacional.
Também em Maio, e também no dia 13, se comemorou o dia do Preto Velho na Umbanda, figura essa que representa todo o saber dos nossos mais velhos, saber esse que apesar de parte ter se perdido resiste nas almas de Pai Joaquim, Vó Cambinda, Tia Maria e em seus conselhos, seu cachimbo, bengala e gingado. Vive no colo de velho, que acalenta o corpo e a alma.
Com toda essa comemoração, nada mais justo do que exaltar aqui uma junção dessas três. O texto traz alguns dos principais carnavais que não só falam como simbolizam a resistência.
Antes de começar, é importante frisar que essa lista não nasce com caráter avaliativo, longe disso, ela nasce como uma forma de amplificar a arte e a cultura popular, nasce do resgate aos artistas que pavimentaram o caminho por onde andamos hoje, os carnavalescos, compositores, enredistas e outros que pensaram e criaram a cultura popular que hoje celebramos.
Salgueiro 1960 – Quilombo dos Palmares
A 63 anos atrás, surge um dos primeiros sambas versados nesse pensar, composto por Anescar Rodrigues e Noel Rosa, ganhou voz com o próprio Noel Rosa e cadência com a Furiosa de Mestre Tião da Alda.
“No tempo em que o Brasil ainda era
Um simples país colonial,
Pernambuco foi palco da história
Que apresentamos neste carnaval”
O desfile, assinado e desenvolvido pelo grande Fernando Pamplona, rendeu ao Acadêmicos do Salgueiro o seu primeiro campeonato. Para o professor Luiz Antônio Simas, o desfile é uma aula de história fora de sala.
“Em 1960, o Salgueiro desfilou com Quilombo dos Palmares, quando Palmares nem era citado na maioria dos livros didáticos brasileiros”, afirma Simas.
Mangueira 1988 – 100 anos de Liberdade – Realidade ou Ilusão?
Em comemoração dos 100 anos da abolição da escravatura, a Primeira Estação levava pra avenida o questionamento “100 anos de Liberdade – Realidade ou Ilusão?”. O samba, escrito por Hélio Turco, Jurandir e Alvinho, cadenciado por Taranta e Birinha Mestres da Tem Que Respeitar Meu Tamborim, e interpretado pelo grande Jamelão, eterna voz da verde e rosa, trazia em sua letra fortes reflexões.
“Pergunte ao Criador
Quem pintou esta aquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela”
O questionamento, desenvolvido pelo carnavalesco Júlio Matos, levou a escola ao segundo lugar. Um dos destaques do desfile foi sua comissão de frente com grandes personalidades pretas do Brasil, como Gloria Maria e Djavan.
Vila Isabel 1988 – Kizomba – A Festa da Raça
Também celebrando os 100 anos da abolição da escravatura, em Kizomba temos o primeiro título da Unidos de Vila Isabel.
“Esta Kizomba é nossa Constituição”
O enredo foi pensado por Martinho da Vila após uma de suas viagens à África, porém foi desenvolvido pelos artistas Milton Siqueira, Paulo César Cardoso e Ilvamar Magalhães. Kizomba nasce do Kimbundo, uma das línguas faladas na Angola.
“Do ritual da Kizomba fazem parte inerentes o canto, a dança, a comida, a bebida, além de conversações em reuniões e palestras que objetivam a meditação sobre problemas comuns.” – Martinho da Vila.
A Swingueira da época, comandada por Mestre Mug, brincou na avenida com um samba escrito por Rodolpho, Jonas e Luiz Carlos da Vila e cantado por Gera e Jorge Tropical. O desfile foi visto apenas uma vez, já que devido a uma forte chuva no Rio de Janeiro não foi possível realizar o tradicional sábado das campeãs.
“Vem a lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede é nossa sede
De que o “apartheid” se destrua”
Imperatriz Leopoldinense 1989 – Liberdade! Liberdade! Abra as Asas Sobre Nós!
Em 89, foi a vez da Rainha de Ramos levar pra avenida a celebração pela Lei Áurea. Liberdade! Liberdade! Abra as Asas Sobre Nós foi pensado e desenvolvido pelo carnavalesco Max Lopes, que garantiu o título para a Imperatriz.
O desfile virou pop, seu samba, escrito por Niltinho Tristeza, Preto Jóia, Vicentinho e Jurandir e interpretado por Dominguinhos do Estácio se tornou tema de novela, sendo considerado um dos sambas mais conhecidos em toda a história do carnaval.
O Swing da Leopoldina, bateria da escola, foi comandado por Mestre Beto.
“Liberdade, liberdade
Abra as asas sobre nós
E que a voz da igualdade
Seja sempre a nossa voz”
Paraíso do Tuiuti 2018 – Meu deus, Meu deus. Está Extinta a Escravidão?
Recém chegado do grupo de acesso em 2017, um acidente balançou as estruturas da escola, mas não a desmotivou. Em 2018 a escola apostou alto e compensou, tendo apresentado na Sapucaí “Meu deus, Meu deus. Está Extinta a Escravidão?”. O enredo foi pensado e desenvolvido pelo carnavalesco Jack Vasconcelos.
O samba foi composto por Cláudio Russo, Moacyr Luz, Jurandir, Zezé e Aníbal, cadenciado pela Super Som do Mestre Ricardinho e interpretado por Nino do Milênio, Celsinho Moddy e Grazi Brasil.
“Meu Deus! Meu Deus!
Se eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social
Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti, o quilombo da favela
É sentinela da libertação”
O Quilombo do Samba conseguiu sua maior colocação com esse desfile, cravando um segundo lugar na tabela. Entre os pontos altos do desfile, figuram a imagem do “presidente-vampiro” e a ala “Manifestoches”, representando uma sátira ao governo da época e seus defensores.
Mangueira 2019 – História Pra Ninar Gente Grande
Por fim, o mais recente da lista. História Pra Ninar Gente Grande é pra muitos um clássico desde seu surgimento, tendo um samba impactante e uma forte promessa como sinopse. O enredo foi pensado e desenvolvido por Leandro Vieira.
“Bem mais “exemplar” a princesa conceder a liberdade do que incluir nos livros escolares o nome de uma “realeza” na qual ZUMBI, DANDARA, LUIZA MAHIN, MARIA FELIPA assumissem seu real papel na história da liberdade no Brasil.” – Leandro Vieira.
O samba foi composto por Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie Oliveira e Danilo Firmino, com Mestre Wesley Assumpção na bateria e interpretado por Marquinhos Art’Samba.
“Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
Brasil, meu dengo a Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento”
Um dos pontos altos do desfile foi a comissão de frente de Priscilla Mota e Rodrigo Neri, que revelava os verdadeiros heróis brasileiros. O desfile passou campeão com nota máxima, sem perder ponto em nenhum quesito.
Escrito por Yago Ramos
Referências:
CINTRA, André. Como a resistência negra inspirou dois dos maiores sambas de enredo. Vermelho, 2023. Disponível em: <https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/como-a-resistencia-negra-inspirou-dois-dos-maiores-sambas-de-enredo/> Acesso em: 13 de Maio de 2018.
Quilombo dos Palmares. Galeria do Samba. Disponível em: <https://galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/academicos-do-salgueiro/1960/> Acesso em: 13 de Maio de 2018.
100 anos de Liberdade – Realidade ou Ilusão? Galeria do Samba. Disponível em: <https://galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/estacao-primeira-de-mangueira/1988//> Acesso em: 13 de Maio de 2018.
Kizomba – A Festa da Raça. Galeria do Samba. Disponível em: <https://galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/unidos-de-vila-isabel/1988/> Acesso em: 13 de Maio de 2018.
Liberdade! Liberdade! Abra as Asas Sobre Nós!. Galeria do Samba. Disponível em: <https://galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/imperatriz-leopoldinense/1989/> Acesso em: 13 de Maio de 2018.
Meu deus, Meu deus. Está Extinta a Escravidão? Galeria do Samba. Disponível em: <https://galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/paraiso-do-tuiuti/2018/> Acesso em: 13 de Maio de 2018.
História Pra Ninar Gente Grande. Galeria do Samba. Disponível em: <https://galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/estacao-primeira-de-mangueira/2019/> Acesso em: 13 de Maio de 2018.