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O AMOR COMO ATO POLÍTICO

Capa do periódico do Movimento Negro Unificado, de 1991.

Em 1991 o Movimento Negro Unificado publicou, em seu periódico, uma campanha que marcou a história do movimento negro. Com o beijo entre um homem e uma mulher negra, destaca o verso do poema “Bandeira” de Lande Onawale: “Reaja à Violência Racial: beije sua preta em praça pública”. Essa capa se tornou um apelo à importância da afetividade na luta antirracista, e mais que isso, uma celebração a vida e ao amor entre pessoas negras como manifestação e resistência política. Em entrevista, Onawale fala sobre a repercussão da capa que não pretendia ser um ato de reivindicação, mas tornou-se diante do discurso racista que sustenta a violência policial e “diz a todo tempo que não somos capazes e merecedores desse amor mútuo – de nenhum amor, na verdade”, considera o poeta.

A autora bell hooks, dedicou grande parte de suas obras para escrever sobre afeto, solidão e amor, sobretudo pensando a realidade da população negra. hooks define amor como um conjunto de cuidado, compromisso, conhecimento, responsabilidade e confiança. Em seu texto Vivendo de amor (2010), a autora fala sobre o impacto da escravização na afetividade: “Depoimentos de escravos revelam que sua sobrevivência estava muitas vezes determinada por sua capacidade de reprimir as emoções”. Milhares de pessoas viram (e, infelizmente, ainda veem) suas famílias serem rompidas pela brutalidade de um sistema de desumanização e exploração do corpo negro. Relacionamentos amorosos não eram alternativas em tempos de dominação, como seria possível prever quanto tempo aquelas pessoas estariam juntas? 

Existe um plano sociopolítico permeado pelo racismo para subjetivar o corpo negro de forma que ele permaneça às margens da sociedade e determinados estereótipos sejam conferidos a ele, como a hipersexualização, virilidade e  inferioridade intelectual. A desvalorização dos fenótipos e da estética da população negra também é algo que impacta a autoestima e a construção de identidade. Sendo assim, criar espaços sem que haja representação e a possibilidade de identificação de pessoas negras, é negar pertencimento e negar, mais uma vez, a humanidade dessas pessoas. Por isso, em um país que morre 1 jovem negro a cada 23 minutos, afirmar o amor é um ato político. 

Nesse sentido, hooks afirma: “Quando nos amamos, sabemos que é preciso ir além da sobrevivência. É preciso criar condições para viver plenamente”. O amor que bell hooks descreve ultrapassa o amor romântico e ocidental. É o amor em diversos contextos, na família, entre amigos, casais, para consigo, em comunidade. O amor impulsiona a acolher o passado, transformar o presente e sonhar o futuro. É força que direciona um movimento de resgate de si e do outro. O amor é cura.

Para hoje: Beije, abrace, ame suas pretas, pretos e pretes em público. 

Referências:

COLT, Nathalia. 13 de abril | Dia do Beijo – “Reaja a violência Racial – Beije sua preta em praça pública”. Disponível em: https://nathaliacolt.com/2020/04/13/13-de-abril-dia-do-beijo-reaja-a-violencia-racial-beije-sua-preta-em-praca-publica/. Acesso em 25 de jun. 2023.

HOOKS, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2020.

HOOKS, bell. Vivendo de Amor. Portal Geledés, São Paulo, 9 mar. 2010. Disponível em: https://www.geledes.org.br/vivendo-de-amor. Acesso em: 25 de jun. 2023.

MARQUES, Marília. ‘A cada 23 minutos, um jovem negro morre no Brasil’, diz ONU ao lançar campanha contra violência. Disponível em: https://www.geledes.org.br/cada-23-minutos-um-jovem-negro-morre-no-brasil-diz-onu-ao-lancar-campanha-contra-violencia/. Acesso em: 25 de jun. 2023.

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