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Grupo de estudos – O negro no espelho: implicações para a moral social brasileira do ideal de pessoa humana na cultura negra, Helena Theodoro

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Na última semana, nosso grupo de estudos do LIDD se reuniu para a leitura de parte da tese de doutorado “O negro no espelho: implicações para a moral social brasileira do ideal de pessoa humana na cultura negra”, escrita pela filósofa Helena Theodoro em 1985. A primeira tese de doutorado em Filosofia defendida por uma mulher negra no Brasil. 

A apresentação foi feita de forma generosa por Ana Carla, que conduziu com muita didática algumas reflexões sobre o texto que, apesar de ter sido escrito há quase 40 anos, é super atual. 

Ana Carla compartilhou algumas chaves de leitura interessantes para a interpretação da obra, como o contraponto entre a religiosidade afro-brasileira e a visão freudiana da religião como neurose, a reflexão sobre linguagem, revelação e mistério, com especial atenção às distinções entre culturas ocidentais e africanas, e a centralidade dos discursos orais, dos contos, ítans e mitos como forma de construção de conhecimento e identidade.

Logo no título, Helena posiciona o espelho não como instrumento de vaidade ou introspecção, mas como uma forma de confronto: ele é colocado diante do corpo acadêmico branco, como provocação para que enxerguem a forma como o corpo negro é historicamente distorcido, invisibilizado e estigmatizado nos espaços de produção de conhecimento. Há uma crítica ao eurocentrismo epistemológico, presente tanto na Filosofia quanto na Comunicação e na Psicologia, pensando na maneira como se constroem os ideais de pessoa humana no Brasil.

A autora denuncia, desde a introdução, o desconhecimento da cultura negra pela sociedade brasileira, inclusive nos discursos institucionais. Ela afirma que as culturas africanas foram exportadas para o Brasil junto aos corpos escravizados e que, além de serem explorados economicamente, houve também a tentativa sistemática de esvaziamento simbólico desses saberes.

A tese percorre as bases da religiosidade africana e afrobrasileira, com ênfase nas tradições nagô, e afirma que, para os Nagôs, a religião não é um sistema estático, mas um modo de vida, uma forma de reorganizar a memória comunitária e a identidade cultural. É nesse contexto que Helena Theodoro apresenta o Axé, Exu e morte, buscando superar limitações pessoais e metodológicas que tradicionalmente esvaziam essas ideias. Além disso, Theodoro nos mostra como a religiosidade afro-brasileira sustenta o equilíbrio emocional, espiritual e político de uma comunidade. Ela aponta que o axé é força vital e histórica, e que Exu, seu condutor, é movimento, transformação e sentido, instaurando uma filosofia própria que articula corpo, tempo e linguagem.

O texto é profundamente atravessado por uma perspectiva negra encarnada, que desafia os limites impostos pela academia à experiência, ao mito e à subjetividade. Como destacou uma das integrantes do grupo, Rosane Aurore, a condução da autora lembra os princípios da escrevivência, onde a vivência negra é base para a elaboração teórica.

Nesse encontro, o nosso grupo debateu sobre os dois primeiros capítulos da tese. O primeiro, intitulado Pessoa e identidade cultural, traz uma metodologia enraizada nos próprios saberes que analisa. Helena se posiciona como mulher negra brasileira, iniciada na cultura nagô, e busca superar essas fronteiras propondo um mergulho nos saberes ancestrais. No segundo capítulo, A ideologia do Axé, ela aprofunda a discussão sobre essa força vital que se organiza no contexto afrobrasileiro. O Axé é uma vivência estabelecida fora da cultura dominante, ligado ao desenvolvimento pessoal e coletivo. Exu é condutor do Axé que aponta para um processo de movimento e mudança, sendo figura central na construção de sentido, caminhos e comunicação. 

Ao final do encontro, saímos com a certeza de que produzir conhecimento é também produzir sentido, e que esse sentido não se separa do corpo, da memória e das nossas raízes. 

Essa leitura foi também um aquecimento para o nosso próximo “LIDD Convida”, que terá como convidada justamente a professora Helena Theodoro. Será um momento rico de muito aprendizado com uma das nossas maiores pensadoras contemporâneas, cuja obra é uma grande referência para quem deseja construir epistemologias antirracistas, decoloniais e enraizadas na experiência negra.

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