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Afropessimismo e o fim do mundo

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Elaborado por Frank Wilderson III, o afropessimismo é uma lente de interpretação ou uma forma de teoria crítica. Seu trabalho é baseado nas obras do psiquiatra martinicano Frantz Fanon (1925-1961) que defende a teoria de que não importa o lugar, a negritude gera um estado de ansiedade. Fanon e Frank concordam que a escravidão é uma dinâmica racial que ainda não terminou. Não importa a teoria consciente, no inconsciente social a pessoa negra é destituída de sua humanidade. E ao que tudo indica, o conceito se mantém atual: 

Acesso em: Agência Brasil

Em entrevista ao Jornal Folha, em 2021, na ocasião do lançamento de seu livro “Afropessimismo”, o autor fala mais sobre o movimento intelectual que analisa e comenta sobre o caso da morte da designer Kathlen Romeu. Confira abaixo alguns trechos: 

No início do mês, uma mulher negra que estava grávida morreu baleada durante uma ação policial em uma favela no Rio. Essa morte ilustra a sua afirmação de que pessoas negras não são vistas como pais, mães, filhos de alguém? F: Sim. Até 1865, a negritude era escravizada nos Estados Unidos. Aí houve uma guerra civil, emancipação, e as pessoas passaram a andar “livres”. Como a interpretação psíquica a respeito das pessoas negras poderia ter mudado da noite para o dia? Que evidências existem para sugerir isso? As pessoas me dizem: “prove”. Eu digo: “Não, você prove o oposto”. Você me prove que uma guerra aconteceu, correntes foram retiradas e, do nada, negros passaram a ser vistos como cidadãos e não como recursos.

Tem sido comum que vídeos de violência policial contra negros, como no caso de George Floyd, viralizem. Pessoas brancas compartilham esse conteúdo e, conscientemente, se dizem revoltadas. Mas, inconscientemente, o que acontece? F: O que temos no Instagram e no Twitter são duas coisas colidindo. São imagens que produzem evidência para a causa, mas que também são prazerosas de assistir para o inconsciente. Como não refletimos sobre aquilo como sofrimento de um ser humano, a proliferação dessas imagens serve para fortalecer a divisão entre humanos e negros.

O inconsciente de uma pessoa sabe: para que isso acontecesse comigo, teria que haver uma justificativa. As imagens têm uma presença bifurcada. Sim, talvez elas ajudem com punições, mas também produzem uma sensação mais profunda de nós contra eles.

É uma fetichização da violência contra negros? F: Sim, é exatamente o que eu queria dizer.

O senhor sustenta que toda relação entre negros e não-negros é parasitária. Ao mesmo tempo, cita sua mulher, Alice, que é branca. Como o senhor concilia a sua visão estrutural da sociedade e seus sentimentos, afetos, relações? F: Esse livro não ajuda a conciliar os problemas. Eu não concilio. Você não pode dizer que porque você ama uma pessoa branca, então você não é o escravo dela. As relações acontecem em múltiplos níveis. Quando pessoas dizem que se amam, e uma delas é branca e a outra negra, não significa que estejam mentindo. Mas também não significa que elas passem a ser da mesma espécie.

Esse é o desafio de ler o afropessimismo. Saidiya Hartman dizia para mim: por quanto tempo você consegue sentar no casco do navio dos escravos? É o que o meu livro está perguntando: por quanto tempo você consegue sentar com esse problema sem ter que perguntar como escapar dele?

Frank B. defende a recusa da analogia do racismo e outras formas de opressão, como a misoginia, xenofobia, discriminação de imigrantes e exploração do trabalho. Faz-se necessária a distinção uma vez que as diferenças são importantes política e epistemologicamente, e por isso a comparação leva a diluição das demandas específicas da população negra. 

Os estudiosos que caminham ao lado de Wilderson, como Saidiya Hartman, W.  E.  B.  Du  Bois e Jared Serton argumentam que a única saída para pôr fim a essa dinâmica racial seria o fim do mundo. Muitos leitores podem se assustar ao ler essa “solução” e até pensar que estão sendo utópicos demais, mas a quem interessa manter a sociedade tal como ela é? Como foi citado anteriormente, 523 pessoas resgatadas, vítimas de trabalho análogo a escravidão e infelizmente esta notícia não é novidade nos dias atuais. Talvez nosso mundo esteja ainda mais próximo aos tempos passados. Talvez os afropessimistas estejam certos!

E você? O que acha? Deixa aqui nos comentários a sua opinião e contribua com a nossa discussão! 

Referências: 

ALBUQUERQUE, Ana Luiza. Negros não são vistos como humanos, mas objetos, diz autor de ‘Afropessimismo’. Folha, 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/06/negros-nao-sao-vistos-como-humanos-mas-objetos-diz-autor-de-afropessimismo.shtml

Em 2023, 523 vítimas de trabalho análogo à escravidão foram resgatadas. Agência Brasil, 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-03/em-2023-523-vitimas-de-trabalho-analogo-escravidao-foram-resgatadas 

NATALI, M. O Afropessimismo e a antinegritude do mundo. Afro-Ásia, Salvador, n. 66, p. 729–739, 2022. 

WILDERSON III, Frank B. Afropessimismo. São Paulo: Todavia, 2021.

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