Na semana passada, nosso grupo de estudos do LIDD se reuniu para discutir os três últimos capítulos do livro A terra dá, a terra quer, de Nego Bispo, a partir da apresentação de Maíra Mello. A obra foi lida como uma potente denúncia que se conecta diretamente com debates sobre meio ambiente, territorialidade e modos de vida de povos indígenas e quilombolas.
Maíra destacou como a obra nos convida a pensar arquitetura, vida e cultura fora dos moldes coloniais. A partir da crítica de Nego Bispo ao programa “Minha Casa, Minha Vida”, refletimos sobre como políticas públicas podem impactar nas formas de viver e de se relacionar com o território, e como o compartilhamento e a confluência são princípios centrais nos modos de habitar quilombolas.
Um dos pontos marcantes da apresentação foi a provocação sobre o uso do termo “contracolonialismo”: será que, ao reafirmar o termo “colonialismo”, não seguimos presos à lógica que queremos superar? Nego Bispo propõe o termo “contracolonialismo”, com ênfase na potência de construir fora da norma imposta.
Conversamos também sobre a arquitetura orgânica das casas quilombolas, construídas com materiais da natureza, em diálogo com a vida. A cozinha, como espaço central, foi trazida como exemplo de organização espacial que reflete experiências negras e racializadas.
A discussão se ampliou ao refletirmos sobre a presença das milícias nos Alphavilles e favelas e a economia circular dos povos, como formas de dominação e resistência. Surgiu a ideia do colonialismo de submissão, expressão utilizada por Nego Bispo para explicar como o colonizador do Sudeste, especialmente do eixo Rio-São Paulo, submete-se a outro colonizador, revelando uma hierarquia interna no próprio sistema colonial.
Na fala sobre o último capítulo do livro, “Criar solto, plantar cercado”, entramos em questões sobre saberes não-acadêmicos, tempo, ritmo e o afastamento do nosso corpo da natureza. Para Bispo, plantar cercado não faz sentido, pois a natureza pertence a todas as formas de vida.
As falas do grupo nos conduziram por mais provocações: Fernanda Carrera lembrou que estamos nos afastando de formas de organização racializadas para viver experiências individualizadas, e que pensar a arquitetura a partir da racialização é essencial. Rosane Romão trouxe a referência de Guerreiro Ramos e a ideia de que a nova “riqueza” da civilização pode estar justamente no resgate de nossas raízes. Jana Guinond finalizou com esperança: nós somos a esperança dos nossos ancestrais.
Esse encontro nos lembrou que pensar território, cultura e modos de vida é também construir caminhos de reexistência. Em tempos de avanço da necropolítica e destruição ambiental, afirmar a importância da terra, dos saberes ancestrais e o compartilhamento é, mais do que nunca, urgente.
Sugestão do grupo:
Livro: A Nova Ciência das Organizações – reconceituação da riqueza das nações, Guerreiro Ramos
Podcast: Mano a Mano – Paulo Vieira
Hellen Freitas
Graduanda em Psicologia (IP/UFRJ) e Bolsista do Laboratório de Identidades Digitais e Diversidade.