Nesta semana, o nosso grupo de estudos se reuniu para mais um encontro. Desta vez, o debate se deu em torno das cosmopercepções afro-brasileiras e suas contribuições como ferramentas epistemológicas para as nossas pesquisas. A leitura foi a primeira parte do livro Caroço de Dendê de Mãe Beata de Iemanjá, nascida no recôncavo baiano e moradora de Miguel Couto – Baixada Fluminense, yalorixá, escritora e ativista pelos direitos humanos, especialmente das mulheres negras.
A apresentação do texto foi conduzida por Nathália Basil, doutoranda em Comunicação, que iniciou o encontro com uma introdução à trajetória de Mãe Beata, a partir do documentário Encruzilhada das Águas. Em sua obra, permeada de oralidade, Mãe Beata compartilha histórias de vida, saberes ouvidos e inventados, sempre ancorados na ancestralidade e no cotidiano.
Foram apresentadas sete histórias do livro, todas relacionadas à espiritualidade, expressões do sagrado com o cotidiano, preconceito e protagonismo feminino. Seis das sete narrativas são protagonizadas por mulheres. Textos como O samba na casa de Exu e O menino do caroço nos levam a refletir sobre sobre Exu e as intersecções entre espiritualidade e a noção de loucura. O cachimbo da Tia Cilu e As patacas malditas convidam à crítica do racismo religioso. Além disso, histórias como O balaio de água e A saia de tago abordam relações abusivas a partir de vozes femininas, enquanto Lyá Mi, a mãe ancestral propõe uma reflexão sobre o bem, o mal e o cuidado ancestral.
Ao longo do encontro, foi possível pensar: quem são as nossas autoridades no campo do saber? Quais referências epistemológicas embasam nossos trabalhos acadêmicos? A leitura da obra de Mãe Beata nos instiga a reconhecer os limites da epistemologia ocidental e a legitimar outros modos de produzir conhecimento – modos estes que não se dissociam do corpo, da natureza e do mito.
A academia por muito tempo utilizou pessoas negras apenas como objeto de estudo, sobretudo nas temáticas de discriminação e racismo. Hoje, reverter essa lógica passa por ocupar o centro da discussão, trazendo nossas perspectivas, nossos corpos e nossos saberes, mais que isso, escutar os mestres que ensinam fora da universidade e legitimar esses saberes através dos nossos trabalhos também. Citar nomes como Nêgo Bispo e Mãe Beata de Iemanjá é uma forma de romper com a lógica colonial presente ainda hoje no meio acadêmico.
Nesse sentido, incluir esses textos em programas de grupo de estudos, mencioná-los em pesquisas e compartilhar suas narrativas é uma maneira de manter viva a oralidade e de ampliar o repertório epistemológico de nossas produções acadêmicas.

Para seguir refletindo sobre o tema, deixamos abaixo algumas sugestões do grupo:
Instagram:
@rebobinese – Criado por Nathália Basil, o perfil propõe reflexões antirracistas a partir da empatia.
Documentários:
Mãe Beata de Iemanjá – Tributo – Disponível na Cultne.tv
Encruzilhada das Águas – A vida de Mãe Beata de Yemanjá. Assista no YouTube
Exposição:
Afro-brasilidades – Fundação Getúlio Vargas
Em cartaz até agosto de 2025
Praia de Botafogo, 190 – Botafogo, Rio de Janeiro/RJ
Funcionamento: Terça a sexta, das 10h às 20h; sábado e domingo, das 10h às 18h