Você já ouviu falar sobre performatividade?
Esse é um conceito interessante para compreendermos como identidades e expressões sociais são construídas e representadas. Segundo Derrida (1988), performatividade é uma forma de expressão naturalizada a partir de repetição e rupturas. No movimento de recusa ou aceite do que é estabelecido, existe a possibilidade do novo, de se reinventar de modo a contrapor as imposições sociais. Certamente você já ouviu falar sobre algumas personas da comunidade negra carioca, como o negrocria. Esta é uma forma de performance atrelada à construção da identidade racial. O negrocria recusa aos estigmas negativos que permeiam o imaginário social sobre a periferia e se apropria da estética periférica com orgulho, incorporando influências culturais do funk e do rap.
Para Judith Butler (2003), que faz o diálogo do conceito de performance com discussões de gênero, a performatividade relaciona-se também com a produção de efeitos, a partir da forma como alguém se apresenta ao mundo e faz com que o outro o conheça a partir do conjunto de sentidos criados na sociabilidade. Nesse sentido, performance de gênero não está relacionada à externalização do que se é, e sim à uma forma de negociação com as imposições sociais sobre determinado gênero. Na intersecção de gênero e sexualidade, a comunidade lésbica defende a possibilidade de expressar o gênero feminino recusando a expressão hegemônica do que é ser mulher, a feminilidade. A partir da coletividade, alguns movimentos sociais buscam fortalecer a identidade desfeminilizada e reafirmar a sua legitimidade a partir da estética.
Segundo estudiosos da psicossociologia (NASCIUTTI, 1996), a sociedade influencia o indivíduo ao passo que é influenciada pelo mesmo. A subjetividade é resultado da soma das interações e conflitos do contraste psicossocial. A psicanálise, por sua vez, assume a expressão do eu como um eco do inconsciente, moldado a partir de pulsões internas, desejos e relações sociais iniciais, principalmente na primeira e segunda infância. Para Lacan (1998), o “eu” é uma construção imaginária que busca sempre o porvir do “eu” ideal e inalcançável, a partir da linguagem se expressa uma conciliação entre as duas esferas.
Erving Goffman (2014) explica a performance social através de uma metáfora teatral, onde o indivíduo desempenha papéis sociais, como forma de contornar a forma como é lido pelo outro. Essa atuação se dá em dois espaços principais: O palco frontal e o backstage. O palco frontal é onde as pessoas se apresentam e performam de modo a se alinhar com as expectativas do outro. Já o backstage é o espaço confortável onde é possível se comportar sem grandes preocupações em ser visto e avaliado por outros olhos.
Diante de tantos teatros sociais, em tempos onde a mídia desenha o desejável e hegemonia segue ditando a normatividade, como podemos garantir que nossa maneira de ser e estar no mundo seja uma escolha consciente e autêntica, e não uma imposição das histórias únicas que atravessam nossa vivência? Uma performance, seja de identidade racial, de gênero ou de outros marcadores sociais, exige um olhar atento para não nos perdermos em representações que nos limitam.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
DERRIDA, J. (1972). Contexto do acontecimento da assinatura. Limited inc. Evanston: Northwestern University Press. p. 1-23, 1988. EAGLETON, T. (2017). Esperança sem otimismo. Londres: Yale University Press.
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
LACAN, Jacques. O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 96-103.
NASCIUTTI, Jacyara C. Rochael. Reflexões sobre o espaço da psicossociologia. In: Documenta Eicos, 1996, nº 7.
MURPHY, Ann V. “Sexualidade”. In: Fenomenologia e Existencialismo. DREYFUS,
H.L.; WRATHALL, M.A. (Orgs.). Tradução de Cecília Camargo Bartalotti e Luciana
Pudenzi. São Paulo: Loyola, 2012, p. 441-452.
Hellen Freitas
Graduanda em Psicologia (IP/UFRJ) e Bolsista do Laboratório de Identidades Digitais e Diversidade.