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Entre a Cruz e a Espada – de São Jorge a Ogum

Imagem São Jorge Globo 2

O dia 23 de Abril marca um importante feriado no Rio de Janeiro, onde se celebra o Dia de São Jorge, ou Dia de Jorge, como os afeiçoados ao santo costumam se referir. Entre as várias festas e feijoadas que são preparadas por todo o estado, a principal festividade da data ocorre na Zona Norte da cidade, na Igreja Matriz de São Jorge em Quintino, celebração que arrasta devotos, fiéis, curiosos e entusiastas do santo, que madrugam na igreja para assistir os fogos da alvorada vestidos de vermelho e branco – as cores do santo.

Que Jorge nasce da fé não há dúvidas, mas é no reduto do samba que ele faz a sua morada. Em uma de suas estadias, o santo passa pelo GRES Império Serrano, ou Império de Jorge – O Reizinho de Madureira, onde é celebrado padroeiro, tendo sua imagem exibida em uma carreata organizada pela agremiação pelos bairros do subúrbio, reafirmando a presença do santo no imaginário do carioca suburbano, que não mede esforços para celebrar a presença da fé, seja na igreja, terreiro ou na Marquês de Sapucaí. O protetor, já celebrado por agremiações como GRES Estácio de Sá em “Salve Jorge! O Guerreiro na Fé”, recebe sempre louros por sua presença ímpar na vida de quem o cultua.

Esse ano, fez jornada quádrupla no sambódromo, estando presente desde o abre alas “matando” dragões do GRES Império Serrano, as fantasias da campeã GRES Imperatriz Leopoldinense ao “Ogum de Honda” da GRES Acadêmicos do Grande Rio, porém foi no carro alegórico “Festa de São Jorge”, da Unidos de Vila Isabel, que ficou marcado em nossa memória, sendo essa alegoria considerada a grande imagem do Carnaval de 2023.

Essas representações carnavalescas do sagrado provam que para o carioca não existe falta de oportunidade, nem separação entre a celebração e a homenagem, principalmente quando se trata de São Jorge. Ainda no berço do samba mas fora da avenida, na canção Ogum do homenageado pela GRES Acadêmicos do Grande Rio Zeca Pagodinho, essa visão transparece em versos como “Sim, vou na igreja festejar meu protetor e agradecer por eu ser mais um vencedor nas lutas, nas batalhas.” e “Sim, vou no terreiro pra bater o meu tambor, bato cabeça firmo ponto sim senhor.”

A santidade herdou um dos mais fortes sincretismos em solo tupiniquim, sendo lida como o Orixá Ogum. Edison Hüttner, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que na época da escravização as pessoas que seguiam religiões de matriz africanas eram pressionadas a se converterem ao catolicismo e uma estratégia para “driblar” essa imposição era adaptar as imagens veneradas pelos portugueses à sua religião.

— Como eles poderiam rezar com os portugueses que os estavam maltratando? Então, eles imaginavam um Deus deles, que veio da África, que é Ogum, para protegê-los. Eles queriam tirar essa imagem de São Jorge com o dragão, da imagem do português escravista. E, para fazer isso, eles estavam diante de São Jorge, respeitavam a sua história, mas, para eles, representava Ogum — esclarece.

Para o historiador Luiz Antônio Simas Jorge é o “Guerreiro nórdico, santo cristão, orixá ao qual se oferece cerveja.” São Jorge é no Rio de Janeiro quem abençoa os bares, as rodas de sambas, trafega com seus devotos nos trilhos de trem e protege os guerreiros do cotidiano contra os dragões da vida. É no encontro entre culturas e no diálogo com a fé que São Jorge vence batalhas com a espada feita na forja de Ogum.

Escrito por Hellen Freitas e Yago Ramos

Referências:

MENDONÇA, Alba Valéria. Santo de festa: amado pelos cariocas, São Jorge foi exaltado nos desfiles da Sapucaí neste carnaval. G1 Globo, 2023. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2023/noticia/2023/02/21/santo-de-festa-amado-pelos-cariocas-sao-jorge-foi-exaltado-nos-desfiles-da-sapucai-neste-carnaval.ghtml>  Acesso em: 19 de abril de 2023.

SIMAS, Luiz Antonio. As festas dos santos populares como um fator integrante da história da cidade do Rio de Janeiro. Medium Ibase, 2019. Disponível em: <https://medium.com/trincheiras/o-guerreiro-a-santa-e-os-meninos-festas-de-rua-95651a42092a>  Acesso em: 19 de abril de 2023. 

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